A Matriz de Campinas está vivenciando uma das mais complexas e inovadoras reformas arquitetônicas já realizadas em espaços religiosos de Goiás. O projeto, conduzido pela arquiteta Fabiana Longhi, do escritório Longhi Arquitetura, representa um marco na engenharia de preservação patrimonial ao conseguir modernizar completamente a infraestrutura de um templo centenário sem interromper suas atividades litúrgicas.
A complexidade técnica do empreendimento surge da necessidade de vencer um vão livre excepcional - entre 12 e 14 metros de altura - sem estruturas de apoio intermediárias. "Eu tinha um grande vão a ser vencido em sentido de comprimento e largura, e eu não tinha uma estrutura de pilares no meio, não tinha como dividir isso", explica Fabiana Longhi, especialista em Espaço Litúrgico e Arte Sacra pela PUCRS.
O desafio estrutural se intensifica pela integração harmoniosa com elementos arquitetônicos preexistentes, especialmente a rosácea da fachada frontal, que precisava ser incorporada ao novo projeto sem criar desníveis visuais agressivos. "O outro forro destacava a rosácea, mas fazia um elevado muito visível. Eu precisava que ela entrasse no espaço celebrativo de uma forma mais harmoniosa, mais natural", detalha a arquiteta.
A solução técnica adotada revoluciona o conceito tradicional de acústica religiosa através da combinação de dois materiais distintos com propriedades complementares. O primeiro sistema utiliza placas compostas por uma mistura inovadora de madeira e cimento, onde o componente cimentício funciona como aglutinante para criar peças espessas com propriedades acústicas superiores às soluções convencionais.
O segundo material consiste em lâminas de alumínio com lã de rocha sobreposta, oferecendo absorção sonora diferenciada e durabilidade excepcional. "As lâminas de alumínio não demandam manutenção, exceto se passarem por algum processo de corrosão, que é algo bem distante no tempo. O que pode acontecer futuramente é a substituição da lã de rocha quando sua vida útil se esgotar", esclarece Longhi.
Esta escolha técnica não foi meramente estética, mas respondeu a uma demanda específica da comunidade religiosa. "Uma das primeiras coisas que eles me disseram foi: 'Fabiana, nós precisamos que esse forro tenha acústica. Ele precisa ter a função acústica para esse espaço'", relembra a arquiteta, evidenciando como as necessidades litúrgicas direcionaram as soluções de engenharia.
A modernização da infraestrutura elétrica seguiu princípios revolucionários de facilidade de manutenção e sustentabilidade operacional. Todo o sistema foi projetado com conduítes aparentes organizados em calhas técnicas, evitando completamente o embutimento em alvenaria - prática que tradicionalmente gera custos elevados de manutenção e produz resíduos significativos.
"Se precisar mudar, você não tem que abrir a alvenaria toda. Se tenho isso em calhas, fica muito mais fácil para manutenção, troca ou atualização", justifica a arquiteta. Esta solução reduz drasticamente os resíduos de obra e os custos de manutenção futura, além de permitir atualizações tecnológicas sem grandes intervenções estruturais.
A visibilidade dos conduítes amarelos e laranja, longe de representar um comprometimento estético, simboliza a transparência técnica do projeto e facilita inspeções preventivas. "Ao não cortar paredes, não gero sujeira, zero resíduo. Também diminuo custos de obra", complementa Longhi, demonstrando como sustentabilidade e eficiência operacional se integram no conceito arquitetônico.
O sistema de iluminação representa talvez a inovação mais sofisticada do projeto. Completamente baseado em tecnologia LED de última geração, o novo sistema trabalha com temperatura de cor cientificamente calculada entre 3.000 e 4.000 K, criando uma atmosfera psicologicamente acolhedora que favorece a contemplação e oração.
"A busca da iluminação de uma igreja é sempre que ela seja aconchegante, acolhedora, que eu entre e me sinta acolhido e me acalme", explica Fabiana. A escolha por uma luz mais amarelada, similar às antigas lâmpadas incandescentes, visa criar um ambiente neuropsicologicamente propício à experiência espiritual, contrastando com a luz branca fria comum em espaços comerciais.
O projeto prevê dois tipos de iluminação na nave: indireta e direta. A iluminação indireta, sozinha, seria insuficiente devido ao pé-direito excepcional, por isso a combinação das duas modalidades garante distribuição uniforme da luz com foco estratégico. "Não estamos iluminando corredores, estamos iluminando bancos, onde as pessoas estão. O corredor é iluminado secundariamente", pontua a arquiteta, demonstrando como a função litúrgica direciona as decisões técnicas.
Um dos elementos mais impressionantes do projeto é a valorização técnica dos vitrais existentes através de iluminação específica de alta precisão. Os vitrais superiores, todos com temática mariana e iconográfica, receberão iluminação de dentro para fora - técnica que realça cores e desenhos com precisão museológica.
"O vitral precisa ser iluminado de dentro para fora. Se faço isso de fora para dentro, eu o ofusco. A beleza de vê-lo à noite é de dentro para fora", explica a arquiteta, demonstrando domínio técnico especializado. Esta iluminação poderá funcionar independentemente do sistema geral, permitindo que apenas os vitrais permaneçam acesos durante a noite, criando um marco visual no espaço urbano goianiense.
A valorização artística transcende questões estéticas. "Temos uma das igrejas mais bonitas de Goiás com vitrais. Na verdade, temos muito poucos vitrais quando pensamos em igrejas em Goiás, e essa é uma das mais belas que conheço", destaca Longhi. O objetivo é transformar a Matriz em referência de arte religiosa, permitindo que transeuntes reconheçam e apreciem este patrimônio cultural frequentemente subestimado.
O presbitério receberá uma peça de engenharia litúrgica excepcional: um pendente de cinco metros de diâmetro, conhecido tecnicamente como baldaquino, que marcará o altar como ponto focal do edifício religioso. Esta estrutura fará simultaneamente a iluminação focal e geral do presbitério, valorizando as peças litúrgicas como altar e ambão, além das imagens do Cristo e do ícone de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
"A iluminação artificial precisa revelar o Cristo", enfatiza Fabiana, explicando que toda a concepção luminotécnica foi desenvolvida para destacar os elementos centrais da fé cristã presentes no espaço. O baldaquino representa a síntese entre funcionalidade técnica e simbolismo religioso, criando um marco visual que orienta a atenção dos fiéis para o centro da celebração eucarística.
A solução envolveu um cronograma cirúrgico que respeitava rigorosamente os dias de maior movimento religioso. "Terça-feira, que é o dia da novena, não há trabalho. A novena é prioridade. Esse dia da devoção é prioridade", explica Longhi. O trabalho foi reorganizado em turnos diurnos e noturnos, exceto às segundas e terças-feiras, exigindo coordenação milimétrica entre diferentes equipes especializadas.
A coordenação envolveu aproximadamente dez profissionais especializados distribuídos entre áreas elétrica e de forro, número reduzido propositalmente devido às restrições espaciais e temporais. "É sempre um desafio porque precisamos lidar com armar, montar e desmontar estruturas", observa a arquiteta, destacando como a logística complexa exigiu compreensão mútua entre trabalhadores e fiéis.
Para Fabiana Longhi, este projeto transcende questões meramente técnicas, representando uma filosofia arquitetônica específica. "Sempre que trato com um cliente, falo que meu ofício está a serviço do sagrado. Isso não é um slogan, é um propósito de vida", revela a arquiteta, demonstrando como convicções pessoais direcionam escolhas profissionais.
Esta filosofia se materializa na busca por criar espaços que favoreçam genuinamente a experiência mística dos fiéis. "Faço do meu ofício como arquiteta a busca de revelar, através desse edifício, a beleza dessa comunidade de fé", complementa. A arquiteta vê seu trabalho como contribuição para que o espaço religioso seja verdadeiramente acolhedor, mantendo viva a tradição de fé que caracteriza esses locais há gerações.
"A igreja cristã tem esse diferencial: só pode ser do pai se também for nossa. Não existe a casa do pai sem o seu povo", filosofa Longhi, sintetizando como a arquitetura religiosa deve equilibrar transcendência e acolhimento humano.
O projeto foi concebido com visão de longo prazo, considerando durabilidade e facilidade de manutenção como pilares fundamentais. Com a tecnologia LED, as atualizações futuras podem ser executadas sem grandes intervenções na estrutura já montada. "Como estamos trabalhando tudo com LED, ele tem essa facilidade. Atualizamos sem necessariamente precisar mexer tanto na estrutura", explica a arquiteta.
Para o sistema de forro, a durabilidade é ainda superior. "O forro tem durabilidade maior. O que pode ocasionar mudanças é se houver algum dano muito específico", pontua Fabiana, estimando que uma reavaliação geral do sistema seja necessária apenas em 15 a 20 anos, prazo significativo para infraestrutura de edifícios históricos.
A sustentabilidade técnica se estende à questão dos resíduos. A metodologia adotada elimina completamente a geração de entulho em manutenções futuras, contrastando com sistemas tradicionais que exigem quebra de alvenarias. Esta abordagem representa economia significativa de recursos e redução do impacto ambiental ao longo da vida útil do sistema.
A reforma integra as comemorações dos 180 anos da paróquia, marcando um momento de renovação após décadas sem grandes intervenções estruturais. "O objetivo era fazer essa melhoria que se precisava, porque já havia um forro muito desgastado, antigo, com problemas", contextualiza a arquiteta.
Paralelamente à reforma do forro e iluminação, está sendo executada uma reestruturação completa do telhado com tecnologia de telha-sanduíche, completando a modernização da infraestrutura do templo. Esta abordagem integrada garante que todas as intervenções sejam coordenadas, evitando retrabalhos futuros.
A Matriz de Campinas representa a conexão histórica entre a antiga Campininha e a capital moderna de Goiânia. Embora não seja oficialmente tombada, faz parte do patrimônio da memória coletiva, justificando o cuidado excepcional na preservação de suas características arquitetônicas originais.
A Matriz de Campinas já constitui referência consolidada no espaço urbano goianiense. "Todo mundo conhece, você vai encontrar a Matriz, tem a Praça da Matriz. As pessoas têm ela como marco, como referência", observa Fabiana. Com as melhorias, especialmente a iluminação dos vitrais, a expectativa é que o templo se torne ainda mais atrativo visualmente, contribuindo para a valorização do patrimônio arquitetônico e religioso da região.
A iluminação noturna dos vitrais criará um novo marco visual no centro histórico de Goiânia, potencialmente atraindo turismo religioso e cultural. Esta valorização transcende benefícios estéticos, representando investimento na identidade cultural da cidade e na preservação de tradições arquitetônicas regionais.
O projeto da Matriz de Campinas se soma a outros trabalhos significativos da arquiteta em espaços religiosos, incluindo a iluminação da Catedral de Goiânia e participação em sua restauração atual. "A Catedral foi um projeto que me demandou atenção, e a Matriz de Campinas tem essa relevância pela sua importância como espaço de fé", compara Fabiana.
A experiência acumulada nesses projetos demonstra a especialização da arquiteta em Espaço Litúrgico e Arte Sacra pela PUCRS, área que demanda sensibilidade especial para equilibrar tradição e modernidade, funcionalidade e simbolismo. Esta especialização técnica garante que as intervenções respeitem não apenas aspectos estruturais, mas também as necessidades litúrgicas e espirituais das comunidades.
O projeto da Matriz de Campinas exemplifica como a tecnologia contemporânea pode ser colocada a serviço da preservação e valorização de espaços históricos religiosos. A combinação de materiais modernos, sistemas eficientes e respeito às tradições litúrgicas cria um modelo que pode inspirar outras intervenções similares em patrimônios religiosos.
A reforma representa, assim, muito mais que uma modernização técnica: é um exemplo de como a arquitetura contemporânea pode honrar o passado enquanto prepara espaços sagrados para o futuro.
Sobre o autor: Luiz Cavalcante é jornalista, escritor e servidor público. Atua há mais de uma década na comunicação institucional e produção de conteúdo jornalístico com foco em política, direitos sociais e serviço público. Membro do Sindicato dos Jornalistas de Goiás, tem trajetória marcada pela defesa da informação de qualidade e pela criação de narrativas que aproximam o cidadão da realidade que o cerca. É também especialista em storytelling, copywriting e estratégias digitais voltadas à conscientização e ao engajamento social.
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