Garopaba, cidade do litoral sul de Santa Catarina, conhecida por sua beleza natural rara — mar verde, dunas vivas, morros cobertos de Mata Atlântica e um céu generoso — está sob intensa pressão da especulação imobiliária.
06/05/2025 09h12Atualizado há 3 dias
Por: Jorge Francisco de Oliveira Guimarães
A construção de “condomínios com vista para o mar” gera impactos como a descaracterização da paisagem e a perda de biodiversidade. Quem paga a conta são o povo local e o meio ambiente. Foto Arquivo
O que antes era uma vila de pescadores rodeada por natureza exuberante, hoje se transforma num canteiro de obras de alto padrão, esculpidas nas encostas dos morros e sobre áreas ambientalmente frágeis.
A mudança recente no Plano Diretor da cidade, consolidada com a aprovação da Lei Complementar nº 2669/2025, abriu as portas para uma urbanização agressiva. A nova legislação permitiu construções em áreas de morros, zonas de preservação e regiões antes protegidas por normas ambientais mais rígidas.
O impacto não é apenas paisagístico ou social — é ecológico e profundo. O desmatamento em áreas de encosta afeta diretamente a fauna e a flora locais, provocando a fuga de espécies, destruição de habitats e comprometendo ecossistemas frágeis. As dunas costeiras, fundamentais para o equilíbrio entre o mar e a terra, vêm sendo pressionadas por loteamentos e estradas ilegais. A cobertura vegetal, que segura o solo e regula o ciclo das águas, dá lugar ao concreto. Como resultado, aumentam as erosões, os alagamentos e os riscos de deslizamento.
A situação se agrava com a poluição do subsolo, consequência do crescimento desordenado e da ausência de saneamento básico proporcional. O lençol freático, fonte de água potável para muitos moradores, pode ser contaminado por resíduos de obras, esgoto mal tratado e uso irregular de fossas. Com mais gente, vem mais lixo: o volume de resíduos sólidos urbanos cresce sem que a estrutura pública acompanhe — e parte desse lixo termina em rios, córregos e no próprio mar.
A legislação atual, além de permissiva, é vaga em pontos cruciais. Faltam critérios objetivos para aprovação de empreendimentos, como exigência sistemática de estudos de impacto ambiental. Áreas de Preservação Permanente (APPs) são invadidas, sem mapeamento claro e com fiscalização insuficiente. As comunidades tradicionais, como pescadores e moradores nativos, são empurradas para longe da orla, sem alternativas ou garantias. Perdem sua terra, sua memória e sua relação histórica com o território.
Garopaba precisa de apoio. Turistas brasileiros e estrangeiros, que todos os anos lotam as praias da cidade e se encantam com sua natureza viva, também podem exercer um papel fundamental. Cobrem das autoridades, dos órgãos públicos e dos representantes eleitos a garantia de que a maior riqueza da cidade — seus morros, dunas e praias — seja protegida. Não há luxo, hotel ou empreendimento que valha mais do que o equilíbrio natural que atrai todos que aqui chegam.
Enquanto o mercado comemora a multiplicação dos “condomínios com vista para o mar”, o povo e a natureza pagam a conta — com a descaracterização da paisagem, a perda de biodiversidade, o colapso dos serviços públicos e o afastamento das famílias nativas.
Garopaba está diante de um dilema: seguir a rota do lucro imediato, ou ouvir o alerta dos seus próprios morros, rios, dunas e mares. Porque quando a natureza fala, não costuma repetir.
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Sobre o autor: Jorge Francisco de Oliveira Guimarães é Cientista Social, foi sindicalista, atuou por 16 anos na Câmara dos Deputados e foi diretor da Fundação de Assistência Social de Porto Alegre.
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Garopaba - SCGaropaba é um município brasileiro do litoral sul do estado de Santa Catarina. Limita-se ao sul, com Imbituba, ao norte e a oeste com Paulo Lopes, e a leste com o Oceano Atlântico. O nome da cidade tem origem indígena e significa "enseada de barcos" ou "lugar de barcos".