O Mundo das Bets e o fim da ingenuidade no futebol

Sou do tempo em que Bet era apelido de mulher: Betânia, Elisabete, Dona Bet da padaria da esquina. Ou, no máximo, lembrança da música debochada do Camisa de Vênus — “Beth morreu…”. Aliás, eu até tenho uma amiga chamada Bet, com a qual trabalhei durante muito tempo. Boa de papo, gostava de puxar bolões com a turma do trabalho — aquela brincadeira saudável, com risada, café e pitacos para todos os lados. Aquilo sim era apostar por diversão.

Mas os tempos mudaram. Hoje, Bet virou sinônimo de dinheiro, cifras milionárias e um novo tipo de manipulação: as apostas esportivas.

O futebol, que sempre foi paixão, virou planilha. O torcedor, antes movido por emoção, agora é empurrado por odds, escanteios, cartões e estatísticas frias. A emoção do gol foi substituída pela expectativa do bilhete premiado. E o pior: jogadores, árbitros e até técnicos parecem muitas vezes estar mais atentos ao que rola nos sites de apostas do que no gramado.

Não é mais sobre ganhar ou perder. É sobre bater a meta de escanteios no primeiro tempo. É sobre aquele cartão amarelo no finalzinho do jogo. É sobre a falta marcada perto da área, ou aquele pênalti esquisito que o VAR “descobre” depois de cinco minutos olhando a tela.

Ah, o VAR… Veio com o discurso da justiça, da modernidade, da lisura. Mas o que se vê é outra coisa: o VAR virou instrumento de dúvida, de controle de resultado, de interferência que muitas vezes parece combinar demais com certos interesses.

O futebol brasileiro, já tão fragilizado por má gestão, corrupção e desmandos, agora enfrenta essa nova ameaça disfarçada de entretenimento. O mundo das Bets está corroendo a credibilidade do jogo. Torna cada lance suspeito, cada apito uma interrogação.

Se antes discutíamos se o juiz era ruim ou mal-intencionado, agora nos perguntamos se ele está “no esquema”. E isso, infelizmente, não é teoria da conspiração: basta acompanhar os escândalos recentes de manipulação de resultados.

O problema é que, nessa nova lógica, quem perde é o torcedor verdadeiro. Aquele que ainda acredita no milagre de um gol aos 45 do segundo tempo, que grita na arquibancada, que sofre de verdade. A esse, resta a desconfiança e a saudade de um tempo em que futebol era só futebol.

Mas, de todo modo, sigo acreditando que a minha amiga Bete, que um dia animava os bolões no trabalho, vai mostrar que ela, de fato, é a Bete das Bets. Quem sabe, um dia, vamos ganhar o bolão… e, quem sabe, até o futebol volte a ser só futebol.

Sobre o autor: Jorge Francisco de Oliveira Guimarães é Cientista Social, foi sindicalista, atuou por 16 anos na Câmara dos Deputados e foi diretor da Fundação de Assistência Social de Porto Alegre.