Em meio ao coro estridente dos defensores da tesoura nos gastos públicos, uma verdade inconveniente teima em ser abafada: a chamada “austeridade” é, quase sempre, um eufemismo cruel para o desmonte dos serviços essenciais e o aprofundamento da desigualdade. Políticos de ternos bem cortados e empresários com discursos ensaiados bradam pela “responsabilidade fiscal”, mas suas palavras escondem a defesa de um projeto que beneficia poucos em detrimento da vasta maioria da população brasileira. A quem serve, afinal, essa cantilena da redução de gastos que ecoa nos salões do poder e nas páginas da mídia corporativa?
Não nos enganemos. Quando falam em “enxugar a máquina”, raramente se referem aos privilégios da elite, aos juros exorbitantes pagos aos banqueiros ou aos contratos bilionários que sangram os cofres públicos. O alvo preferencial é sempre o mesmo: o investimento em saúde, educação, segurança, moradia e programas sociais – justamente aquilo que garante um mínimo de dignidade e oportunidade para quem mais precisa. É a velha tática de socializar os prejuízos e privatizar os lucros, mascarada por uma retórica de eficiência que só serve para justificar o abandono do povo.
Precisamos desmistificar com clareza o que são os gastos públicos: não um fardo, mas o motor que impulsiona serviços vitais e garante direitos constitucionais. São os salários dos professores que educam nossos filhos, dos médicos e enfermeiros que salvam vidas no SUS, dos policiais que arriscam suas vidas, dos recursos para o Bolsa Família que tira milhões da miséria extrema. Reduzir esses gastos não é “economizar”, é condenar a população à precarização, é negar futuro, é perpetuar a injustiça.
Essa ofensiva contra o investimento social não é nova. Ela foi a mola propulsora do golpe parlamentar de 2016, que derrubou uma presidenta legitimamente eleita, Dilma Rousseff. Como a própria ex-presidenta denunciou em artigo para o Brasil de Fato (2019), a sabotagem ao seu governo, orquestrada por setores do Congresso, da mídia, do judiciário e do mercado financeiro, visava impor à força a agenda neoliberal derrotada nas urnas por quatro vezes consecutivas. Criaram uma crise artificial com “pautas-bomba”, paralisaram o país e construíram a narrativa mentirosa de um “descontrole fiscal” para justificar o impeachment sem crime de responsabilidade. O objetivo era claro: interromper os avanços sociais dos governos do PT, que retiraram o Brasil do mapa da fome e promoveram a maior ascensão social da nossa história.
Dilma foi atacada justamente por defender os investimentos públicos como ferramenta de desenvolvimento e justiça social. A mídia hegemônica, à época, martelava a falácia de que o governo estava “quebrado”, ignorando as robustas reservas internacionais e a capacidade de pagamento do país. O que incomodava a elite não era a dívida em si, mas o direcionamento dos recursos para o povo, e não para a especulação financeira.
A história, infelizmente, parece se repetir. O atual governo Lula, eleito com a promessa de recolocar o pobre no orçamento e retomar os investimentos públicos, enfrenta a mesma fúria dos setores que lucram com a desigualdade. As críticas que hoje se avolumam contra a política econômica do governo, vindas dos mesmos porta-vozes do mercado e da mídia que apoiaram o golpe e a agenda de Temer e Bolsonaro, seguem o roteiro conhecido. Manchetes de jornais como Folha de S. Paulo e reportagens em canais como a CNN Brasil (conforme pesquisa recente) acusam o governo de “gastos excessivos”, de “falta de compromisso fiscal”, de criar “orçamentos paralelos”.
É a mesma ladainha de sempre. Exigem cortes, arrocho, “reformas” que, na prática, significam retirar direitos dos trabalhadores e diminuir o papel do Estado como indutor do desenvolvimento e protetor dos mais vulneráveis. O presidente Lula tem rebatido essas críticas, como noticiado pela CartaCapital e outros veículos, afirmando que o Brasil tem uma “dívida social impagável” e que investir no povo não é gasto, é investimento no futuro do país. E ele está certo.
O setor privado, tão rápido em exigir austeridade do governo, é frequentemente o primeiro a se beneficiar de subsídios, isenções fiscais e contratos públicos. Grandes empresários e banqueiros, que acumulam lucros recordes mesmo em meio a crises, são os que mais pressionam por cortes em áreas sociais. É uma hipocrisia que beira o cinismo. Querem um Estado mínimo para o povo e máximo para seus próprios interesses. Criticam o “tamanho do Estado” enquanto se locupletam dele.
Defender os gastos públicos, como fazem o PT e o governo Lula, não é defender o desperdício ou a ineficiência – estes sim devem ser combatidos com rigor. É defender um projeto de país mais justo, solidário e soberano. É entender que saúde, educação, ciência, tecnologia, infraestrutura e programas sociais não são despesas, são investimentos estratégicos que geram retorno econômico e, principalmente, humano.
É preciso ter coragem para enfrentar a pressão dos rentistas, dos grandes conglomerados de mídia e dos políticos que lhes servem de capachos. É preciso dizer em alto e bom som: cortar do povo para garantir o lucro de poucos é inaceitável. A verdadeira responsabilidade fiscal se mede pela capacidade de garantir vida digna para todos os cidadãos, e não pela submissão aos ditames de um mercado financeiro insaciável.
A luta pela manutenção e ampliação dos gastos públicos é a luta pela própria democracia e pelos direitos da classe trabalhadora. É a trincheira onde se decide se teremos um Brasil para todos ou apenas para uma minoria privilegiada. Não podemos ceder à farsa da austeridade.
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