Apóstolos do Pix: a indústria que fabrica “profetas mirins”
Nos últimos tempos, percebi que algumas igrejas — ou melhor, certos templos do mercado da fé — passaram a funcionar como casas de aposta, como os jogos da bet.
03/05/2025 21h30Atualizado há 1 semana
Por: Jorge Francisco de Oliveira Guimarães
Miguel apareceu aos 3 anos como “profetinha”, dizendo-se curado de surdez e mudez por intervenção divina / Reprodução internet
Os falsos pastores descobriram que a salvação rende mais que qualquer loteria. Quanto mais apostam na ignorância e no desespero do povo, mais lucram. As “apostas” nesses púlpitos valem dízimos forçados, promessas de milagre e manipulação emocional. Um verdadeiro esquema que ludibria os pobres, vendendo céu em troca de pix. E é nesse ambiente que surgiu o menino Miguel Oliveira.
Miguel apareceu aos 3 anos como “profetinha”, dizendo-se curado de surdez e mudez por intervenção divina. Desde então, virou um produto ambulante do fundamentalismo: pregações inflamadas, "profecias", ataques à esquerda e exaltações ao bolsonarismo. Por trás do púlpito mirim, estão os adultos. Seus pais — a mãe, Érica, e o pai, o pastor Marcinho Silva — gerenciam sua carreira, viagens e redes sociais. Miguel já cobrava cachês de até R$ 10 mil por pregação. Isso mesmo: aos 14, virou garoto-propaganda da fé lucrativa.
O Conselho Tutelar precisou intervir. Proibiu pregações, determinou retorno às aulas presenciais e bloqueou redes sociais. Não por perseguição religiosa, mas por violação clara ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A educação formal estava sendo negligenciada. O bem-estar emocional, jogado às traças em nome da fama.
Não estamos diante de um fenômeno religioso autêntico. Estamos diante de um projeto de marketing da extrema direita evangélica, que manipula a imagem de uma criança para atrair seguidores e naturalizar absurdos: como se fosse normal um adolescente viver de "profecias" e ataques políticos. Não é.
Até figuras como o pastor Silas Malafaia — ele mesmo um bastião da intolerância — já o classificaram como "farsa". O que diz muito. Farsantes se reconhecem. E a hipocrisia se escancara quando os próprios líderes religiosos que incentivam o culto à criança-profeta começam a se incomodar com a concorrência de púlpito.
O caso Miguel é símbolo de um tempo onde a fé vira moeda, a infância vira espetáculo e o fundamentalismo assume o microfone com a Bíblia numa mão e o smartphone na outra. E quem lucra com isso são os adultos — sempre os adultos.
Se queremos proteger nossas crianças, precisamos olhar para Miguel com responsabilidade. Não se trata de perseguir sua crença, mas de dizer: uma criança não pode ser usada como arma política ou ferramenta de lucro religioso. É preciso parar de aplaudir o abuso só porque vem travestido de "dom divino".
Se Jesus voltasse hoje, não estaria do lado desses mercadores da fé. Estaria com o chicote nas mãos, expulsando os fariseus do templo. Porque o templo virou palco, o púlpito virou palanque, e a Palavra virou pretexto para poder e dinheiro.
Em que pese eu não ser religioso, admiro profundamente a figura de Jesus. Não como ícone do dogma, mas como homem justo, corajoso, que andava ao lado dos pobres, dos marginalizados e dos que mais sofrem. Jesus não explorava — acolhia. Não enriquecia — repartia. E foi exatamente por isso que incomodou tanto os poderosos do seu tempo.
Sobre o autor: Jorge Francisco de Oliveira Guimarães é Cientista Social, atuou por 16 anos na Câmara dos Deputados e foi diretor da Fundação de Assistência Social de Porto Alegre.
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